14/07/2009

Memórias I

Corria o ano de 1993 e Portugal acordava abalado numa noite de Verão. Paulo Sousa e Pacheco tinham rescindido o contrato com o Benfica, assim como João Vieira Pinto. O Sporting, prontamente se predispôs a acolher os três jogadores. Paulo Sousa e Pacheco assinaram em Alvalade quase no mesmo instante em que o fax com a rescisão de contrato tinha chegado à Luz. João Pinto andava em parte incerta.
O resto da história é conhecida e convém relembrar uma situação que só há pouco tempo foi escrita. Rui Costa recusou a oferta de Sousa Cintra, porque não queria abandonar o clube que o acolheu aos 10 anos. Rui Costa é da Damaia, bem pertinho da Luz. Paulo Sousa é de Viseu e Pacheco é do Algarve. Vontades...

Ficou Toni, o do costume, quando a crise apertava para os lados da Luz. Era um homem da casa, conhecia bem os cantos e sabia o que era a "mística" do clube. A "mística", essa palavra tantas vezes dita sem se saber exactamente o que ela vale.

Nesse ano, o Benfica anda aflito. Não tinha dinheiro, era o mais fraco dos três grandes, estava na penúria e seria muito difícil ganhar o campeonato. Ainda por cima, tinha muitos ex-juniores, como Nuno Afonso, Kennedy e Pedro Henriques, para além de ter conseguido manter João Pinto e ter ido buscar ao Brasil um rapaz chamado Ailton, que ninguém conhecia. Estava traçado o destino, e segundo as crónicas da altura, o Sporting ia limpar o campeonato sem espinhas.

Porém, logo na primeira jornada, havia um FC Porto - Benfica, e a exibição da equipa de vermelho foi das mais excitantes que vi, nos últimos anos, em covil adversário. 3-3 foi o resultado final com um Isaías já a provar que o Benfica não iria abaixo como queriam que ele fosse.

Segunda jornada e recebíamos o Estoril em casa, a horas em que havia sol e não havia transmissões na TV. Presa fácil, dizia-se na altura, com uma equipa a vir da 2ª divisão e depois de ter empatado nas Antas, a goleada era o mínimo. Novo empate, desta vez a 2. E logo começaram os discursos da desgraça, da penúria, de ser uma equipa fraca e sem espírito capaz de aguentar o campeonato inteiro. O discurso estava pronto e a matança quase a completar-se.

E a terceira jornada deu outro empate, desta vez com o Beira-Mar. 3 jogos, 3 empates, 3 pontos. O destino estava fatalmente traçado, só que da 4ª à 10ª Jornada, o Benfica começou a engatar e a vencer, com algumas dificuldades, mas vencia. O estigma do Toni, da vitória sobre o apito final, que sempre considerei vitória do querer, da conquista, da procura da glória.

Até que apareceu Yekini e em três golos desbaratou a equipa que ia em ritmo de vitória. Copiosamente derrotado em Setúbal por 5-2, Toni decidiu que o seu esquema iria ter um "trinco" e em boa altura pensou. Kulkov foi o eleito e o pêndulo que guiava a equipa. Suportava Rui Costa no meio-campo, tinha Paneira na direita e Isaías na esquerda, João Pinto no apoio ao avançado que tanto era Ailton, como Yuran ou ainda Rui Águas. A equipa carborava e conseguiu 7 vitórias seguidas, destacando-se uns 5-1 em Famalicão.

Ao mesmo tempo, na Europa, a passada era longa e estava bem encaminhada. Toni dava-se ao luxo de colocar jogadores e a equipa não se ressentir, levando pessoas à Luz, sempre com a ânsia de vencer.

A época acabava com o 6-3 de Alvalade e com a criação do ícone João Vieira Pinto, que como sempre, no Benfica, só quando morrer, será lembrado como um dos que mais fez para dignificar a camisola encarnada, enquanto outros a tentavam denegrir.

Lembrar resultados como os 2-0 ao FC Porto em casa, os 2-1 ao Sporting, também em casa, os 4-4 de Leverkusen, os inevitáveis 6-3 de Alvalade, os 8-0 ao Famalicão, não foram obra do acaso.

Foram obra de Toni (que uniu o plantel, quando era mais preciso), de Veloso (que era o avô dos meninos), de um menino chamado Rui Costa (que aprendeu de vez o que era o Benfica), de um senhor chamado Vitor Paneira, de um Mozer (que dava umas chapadas quando era preciso) e de outros, que apesar de serem menos importantes, foram-no na medida exacta.

O campeonato de 1993/94 teve esse condão. De mostrar do que é feito o Benfica, pelas pessoas que gostam do Benfica. Da procura pela mística e pela paixão que deram ao clube, em cada dez anos, deveriam ser homenageados. Pelo que deram e pelo que poderiam dar ainda, se lhes dessem oportunidade...

1 comment:

Anonymous said...

Toni é um injustiçado no Benfica! É incrível!!! Dessa época lembro-me ainda de um Benfica - Beira-Mar na Luz, com vitória de penalty no último minuto... e do penalty falhado contra o Parma...